Nas minhas memórias de infância ela está lá. D, Amélia. Baixinha, forte, com os dedos roliços e cheios de marcas da vida. De enxada, de facão, de peneira de garimpo… eu poderia ficar aqui escrevendo horas sobre essa alma iluminada e sofrida que mesmo tendo partido há quase 20 anos, ainda é lembrada todos os dias, em cada almoço de família, em cada Natal…
Avós são bênçãos na vida de pais e netos. Pode ser que no início nós, mães de primeira viagem queiramos fazer tudo do nosso jeito, como lemos nos livros ou na internet. E (na maioria das vezes) elas respeitam, ficam olhando de longe, torcendo para dar certo, mas prontíssimas para entrar em ação caso não dê. Sem julgamentos, sem recriminações, só amor.
Minha avó era do tipo linha dura: não quer comer? Ok, vou guardar seu pratinho aqui no forno, quando a fome voltar você termina (nada de lanches, petiscos, docinhos…). Mas aquela velhinha amava alimentar as pessoas da família aos amigos e até o carteiro (que naquela época entrava em casa para deixar as cartas no móvel da sala).
Alimentação? A regra era: se já tem dentes, pode comer uma coxinha de frango! Acompanhado de angu, feijão e verdura. Lá do seu jeito ela garantia que estivéssemos sempre bem nutridos.
Deve-se respeitar a experiência deles, eles já conhecem de cor o caminho que ainda estamos descobrindo. Choros, cólicas, alimentação, disciplina, quando ser mais firme e quando escolher não lutar aquela batalha…. Eles já fizeram isso tantas vezes que é quase burrice não pedir ajuda. Peçam ajuda. Aceitem a ajuda oferecida.
Quando nasce uma mãe, nasce com ela uma chave, que abre muitas portas, não perca essa chave, com ela você constrói pontes onde antes haviam muros, você ganha algumas horas de sono, você aprende, você cresce. Cada família tem a sua dinâmica familiar. Para mim essa chavinha se chama humildade & gratidão (“não está dando certo do meu jeito…. me ensina?” / “como você faz para….” / “ele não pode ir para a creche esta semana…. cuida dele pra mim?” / “obrigada por …”)
Tenho tanta saudade da minha véinha….. tem dias em que sinto o cheio do tempero dela pela casa…. pode isso?
Aproveitem muito os avós dos seus filhos. A sua relação pode até não ser das melhores, mas é impossível não adoçar o coração vendo alguém cuidar com tanto amor do seu filhote.
Todos os dias quando deixo o Davi na creche vejo um senhor que deve estar na casa dos seus 70 anos… levando o neto para a escolinha na garupa da sua bicicleta…. e o que me chama a atenção não é (somente) o esforço físico desse avô…. é o olhar do neto quando eles se despedem no portão…. esse olhar me emociona todas as vezes! Imagina que lindas serão as lembranças desse menino ao longo da vida?!
O Davi perdeu o avô muito cedo…. é impossível não sentir um peso no coração quando imaginamos como seria lindo ver os dois interagindo, se descobrindo…
Tudo o que mais queria era poder levar o Davi para minha avó benzer, para meu avô ensinar a tocar sanfona, violão…. brincar junto, mostrar pra tudo o que aprendi, tudo o que eles deixaram….. Sabe, depois eles se vão e fica aquele sentimento de:
”poderia ter abraçado mais”
“poderia ter agradecido mais”
“como era mesmo aquele xarope pra tosse que ela fazia”
“ah como eu queria que ele estivesse aqui para ver o Davi andando…começando a falar….”
Infelizmente esse post, não surgiu do nada….. Há algumas semanas perdemos o último dos avôs da minha família… doeu não poder estar lá com os meus, mas doeu mais ainda ver nossa história indo embora, cumprindo seu ciclo aqui embaixo e voltando para a casa onde as coisas são mais brandas, as dores não entram e as limitações do corpo não machucam mais. A saudade é grande, mas fiquem em paz.
Vamos seguir cada uma das lições das suas cartilhas, viu? Vocês estão tatuados em nossas almas.